Estudos secundários — O que são e sua importância na academia

Armando Toda
7 min readMay 20, 2019

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Muitos já começaram a vida acadêmica totalmente desnorteados, sem orientação, sem projeto, sem dinheiro na conta bancária, etc. Muitos também já receberam como conselho “Vai ler artigos…” e, bom, esse realmente é um conselho muito válido pro começo da vida acadêmica. O que muita gente não sabe, é que existem processos pra esse tipo de leitura que podem até mesmo render outros artigos pro seu portfólio acadêmico, os chamados estudos secundários.

“Tá Armando, mas antes de tudo, o que seria um estudo primário?”, a gente pode considerar um estudo primário todo tipo de pesquisa publicada que envolva algum resultado com base na observação da aplicação de um método científico, p. exemplo: estudos de caso, relatos de experiência, experimentos, estudos quase-experimentos, e outras formas de estudo empíricos. Logo, um estudo secundário pode ser definido como uma compilação de estudos primários, visando um objetivo ou uma pergunta de pesquisa específica. Dentre estudos secundários, podemos citar: meta-análises, surveys, revisões e mapeamentos sistemáticos e revisões bibliográficas.

Nossa, muita informação, calma lá! Explica melhor isso aí….” então, esmiuçando em duas categorias, temos estudos secundários sistemáticos, onde a seleção, coleta e análise dos estudos é realizada por etapas (geralmente também chamadas de seleção, coleta e análise). Já os estudos secundários não sistemáticos focam apenas em responder uma pergunta de pesquisa, ou alcançar o objetivo do estudo, sem a seleção sistemática (por etapas) dos artigos.

Tá, melhorou, mas qual seria a diferença entre esses estudos?”, ok, começando pelos sistemáticos. Em algumas áreas, não costuma haver a diferença entre revisão sistemática e meta-análise, ambas possuem uma pergunta de pesquisa que quer ser respondida pelo estudo e, a partir de várias etapas de seleção, coleta e análise. Também são realizadas comparações entre os estudos primários analisados. Essas comparações são apoiadas por métodos estatísticos e vão resultar em alguma evidência para responder a pergunta chave. Normalmente as perguntas relacionadas a uma revisão sistemática/meta-análise fazem algum tipo de comparação bem específica. Com relação aos termos, áreas de humanas, saúde e biológicas costumam usar mais o termo meta-análise, enquanto que nas engenharias e outras exatas utiliza-se o termo revisão sistemática (porém isso não é regra).

Muitas revisões e meta-análises usam a estrutura PICOC para auxiliar na formulação da pergunta de pesquisa, onde são definidos: População (Quem é a população afetada?), Intervenção (Qual é o método estudado?), Comparação (Qual a comparação realizada?), Resultado (Qual o resultado esperado?) e Contexto (Em que circunstâncias isto está sendo aplicado?). Um exemplo de pergunta de pesquisa utilizando o PICOC poderia ser “Qual o ganho de aprendizagem em estudantes de escolas públicas que são expostos a métodos de ensino gamificados em relação aos métodos tradicionais?”. Neste exemplo, podemos ter como interpretação do PICOC: a população sendo “estudantes”; a intervenção sendo “métodos de ensino gamificados”; a comparação com “métodos de ensino tradicionais”; o resultado sendo “ganho de aprendizagem”; e o contexto “escolas públicas”. Não é uma obrigação utilizar o PICOC (porém altamente recomendado se você trabalha com área de saúde), também vale ressaltar que ele serve para auxiliar na geração de perguntas focadas e direcionadas (o que talvez não seja a melhor opção pra quem está começando um projeto, mas pode ser uma boa alternativa se você já tem resultados e gostaria de comparar com a literatura existente).

Já o mapeamento sistemático é utilizado, como o nome já diz, para mapear uma determinada área de pesquisa (também é o tipo de estudo preferido pra quem tá começando um mestrado e/ou doutorado em áreas novas ou que não está acostumado). Também é guiado por uma pergunta de pesquisa mas com o intuito exploratório, por exemplo “Quantos frameworks de gamificação existem?” ou “Quais os elementos de gamificação mais usados na literatura?”. Normalmente, em um mapeamento sistemático, são consideradas diversas perguntas de pesquisa, e os resultados são apresentados por meio de estatística descritiva.

Para os estudos sistemáticos, temos diversos protocolos criados e validados pela literatura, dentre eles podemos citar o PRISMA (muito usado na área de Biologia e Medicina, mas também pode ser usado em outras áreas), o protocolo de Kitchenham para revisões sistemáticas e o de Petersen para mapeamentos sistemáticos (ambos são extremamente usados nas áreas de engenharia, computação e demais exatas). Em todos os protocolos, há alguns passos similares como a definição de uma string de busca, seleção de bases de pesquisa, critérios para inclusão e exclusão, critérios para definição de qualidade, etc. Por serem passos que envolvem um nível considerável de abstração, sempre é recomendado que estes estudos sejam realizados em pares ou mais pessoas, para diminuir a subjetividade das etapas.

Em relação aos estudos não sistemáticos, temos a revisão da literatura e o survey. Um survey, em algumas áreas (principalmente exatas), é considerado como uma coletânea de estudos “principais” de uma determinada área. Normalmente são usados para fazer um levantamento geral do que tem sido discutido de mais atual ou mais usado. Um survey não precisa, necessariamente, de uma pergunta de pesquisa, ele pode ser realizado com um objetivo mais amplo, como “Métodos de Inteligência Artificial para Geração de Conteúdo”. Surveys são excelentes alternativas para mapeamentos sistemáticos, uma vez que esses surveys apresentam um grande levantamento do que tem sido feito na área de pesquisa escolhida. Vale ressaltar aqui que, em algumas áreas, survey é considerado como um tipo de pesquisa quali-quantitativa envolvendo questionários. O termo “survey” para estudos secundários é muito utilizado nas áreas de computação e engenharia.

Por fim, temos a revisão bibliográfica (não sistemática) onde, novamente, não é obrigatória a definição de uma pergunta de pesquisa, mas sim ler e descrever os resultados de outros estudos da área. Não há um processo sistemático para seleção, coleta ou análise, e pode ser um grupo de artigos que seu orientador sugeriu, ou um debate entre ideias de estudos teóricos e estudos secundários. Não há “regras”. Também não é muito comum de serem publicados em periódicos e/ou conferências, a não ser que seja algo realmente novo (e que faça sentido). No entanto, é um passo essencial para formação do pesquisador e deve ser executado durante todo o processo do mestrado e doutorado.

Ok, entendi. Acho. Então quer dizer que eu posso fazer uma revisão sistemática da literatura em 1 mês e tentar publicar?” não, pera lá. Vamos por partes. Estudos secundários sistemáticos levam tempo e não podem (nem devem) ser feitos as pressas. O tempo médio de execução de uma revisão sistemática / meta-análise é de 4 a 8 meses, dependendo da quantidade de artigos retornados. Mapeamentos sistemáticos podem levar de 2 a 6 meses. Surveys podem levar 1 mês, como podem levar 1 ano. Revisões bibliográficas normalmente levam todo o tempo do processo da pós graduação. O tempo de execução varia de acordo com a área, tipos de análise que estão sendo realizadas e pessoas disponíveis para colaborar com a pesquisa.

Hmmm acho que entendi, posso realizar um desses estudos para encontrar um problema de pesquisa?” Pode. Mas você deve? Depende. Em alguns estudos secundários você pode ter a sorte de achar uma lacuna de pesquisa, e usar aquela lacuna como projeto, porém ao mesmo tempo, é necessário refletir: Essa lacuna não foi resolvida por quê? Resolver essa lacuna trás algum impacto pra ciência ou indústria? Essas reflexões são muito importantes, pois “Se ninguém tá mexendo com isso, então alguma coisa errada não está certa”. Sempre é bom consultar seu orientador ou especialista(s) na área pra identificar e validar se aquela lacuna é um ponto de pesquisa válido.

Tá, me interessei, qual o melhor protocolo que eu posso usar pra fazer revisão e mapeamento sistemático?”, de novo, depende. Você pode, por exemplo, adaptar o protocolo da Kitchenham e o PRISMA pra desenvolver mapeamentos sistemáticos, basta justificar da forma correta. “Beleza, e como eu faço pra escolher o tipo de estudo pra procurar ou fazer?” Vai depender do seu conhecimento da área e/ou projeto. Se você tem afinidade com a área de pesquisa, sabe o domínio do problema e os principais métodos e processos para solucionar sua pergunta de pesquisa, você pode ir direto para uma revisão sistemática. Caso contrário, um survey ou um mapeamento seriam a melhor opção. A Figura abaixo tem um pequeno fluxograma que podem usar pra decidir que tipo de estudo conduzir.

Para quem tiver mais interesse em saber as diferenças entre mapeamentos e revisões sistemáticas (na computação/engenharia) este material apresenta isto e muito mais (como ferramentas computacionais que podem ajudar você a organizar e executar esses tipos de estudo), desenvolvido pela Ana Klock, pesquisadora da UFRGS. Quem tiver interesse em desenvolver uma do zero, com ajuda de um professor, tem este curso de Revisão Sistemática da Literatura da Udemy, do pesquisador Wilk Oliveira. Ambos são especialista em revisões sistemáticas e outros estudos secundários.

Espero que tenham gostado e se possível não esqueçam daquele feedback! É só uma pergunta sobre o que você achou do texto e um espaço -anônimo- pra você incrementar o feedback (se quiser)! Muito obrigado :D

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Armando Toda

PhD student. Gamer. Computers in education. Gamification. Games. Serious Games. This page is filled with DETERMINATION and nerd stuff. Pt-Br/Eng.